A histórica conclusão das
negociações de paz na Colômbia
Na última quarta-feira, o governo colombiano e
as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) anunciaram a
conclusão das negociações de paz que põem fim ao conflito que dura
mais de cinquenta anos no país. As negociações aconteciam desde
2012, em Havana, tendo Cuba e Noruega como Estados garantidores.
Nesta quinta, 25 de agosto, o presidente Juan
Manuel Santos entregou oficialmente o texto
do acordo ao Congresso Nacional e ordenou às Forças Armadas o
cessar-fogo definitivo com as Farc a partir da meia noite do dia 29
de agosto.
O acordo histórico põe fim à mais longa guerra
civil no continente que, em 52 anos, deixou cerca de 220 mil mortos
e aproximadamente seis milhões de refugiados e deslocados internos.
Além disso, o fim do embate abre caminho para mudanças políticas em
médio e longo prazo no país, já que, ao longo deste período, a guerra
foi o componente estruturante da vida política colombiana. A guerra
alimentou as posições mais conservadoras e militarizadas da
direita, foi a principal porta de entrada para a presença militar
dos EUA na América do Sul e serviu de base para a perseguição de
sindicalistas e lideranças sociais, constrangendo as alternativas
da esquerda democrática.
Ao adotar uma perspectiva de justiça de
transição, o acordo busca conciliar justiça e a consolidação da
paz, estabelecer o direito das vítimas à reparação e à verdade e
reconhecer as Farc como um ator que deve ser integrado ao sistema
político colombiano. Para este fim, o acordo estabelece a criação
de uma jurisdição especial para a paz, que deve julgar os delitos e
crimes da guerrilha e de agentes do Estado durante o conflito.
De acordo com os princípios do Direito
Internacional Humanitário e do Direito Penal Internacional, crimes
de guerra e de lesa-humanidade não podem ser anistiados, mas podem
ter pena reduzida caso haja reconhecimento por parte do acusado e
compromisso com a verdade. Outros delitos, como rebelião, sedição e
mortes durante combate (compatíveis com as convenções de Genebra)
poderão ser anistiados caso haja reconhecimento da verdade.
A seleção dos magistrados para esta jurisdição
especial será feita por um comitê composto por pessoas indicadas
pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon; pelo papa Francisco;
pela Sala Penal da Corte Suprema de Justiça da Colômbia; pela
delegação colombiana do Centro Internacional de Justiça de
Transição; e pela Comissão Permanente do Sistema Universitário do
Estado colombiano. Apesar de incluir um ponto sobre “reforma
rural integral”, com “transformação estrutural do campo”, questões
relativas ao modelo econômico do campo e à estrutura das Forças
Armadas foram deixadas para o período pós-conflito.
A partir da solicitação do presidente Santos,
caberá agora ao Congresso convocar um plebiscito sobre o texto
final do acordo, que deve ocorrer no dia 2 de outubro. Como o voto
não é obrigatório, além da maioria simples, o acordo deve ser
aprovado por no mínimo 13% do eleitorado habilitado, ou 4,5 milhões
de eleitores.
Durante o mês de agosto (antes do anúncio da
conclusão) as pesquisas mostraram resultados bastante conflitantes.
Pesquisa Gallup do dia 17 de agosto apontava que a abstenção seria
de 50,9%. Dos 49,1% restantes, 67,5% votariam a favor e 32,5%
contra o acordo. O resultado é bastante diferente de uma pesquisa
Ipsos publicada na semana anterior que, apesar de indicar também
alta abstenção, apontava que 50% dos consultados rejeitariam o
acordo nas urnas, enquanto 39% o aprovariam. As sondagens Datexco
para o jornal El Tiempo também mostram uma oscilação em agosto,
mas com uma margem bem mais estreita. Ao longo do mês foram dez
pesquisas: a partir da metade do mês o “sim” lidera por uma pequena
diferença. A última, do dia 23, aponta 32,1% a favor do acordo,
29,9% contra e 27,5% de abstenção.
Apesar de Santos ter priorizado as negociações
de paz e ter alcançado este acordo histórico com as Farc, o
presidente enfrenta baixos níveis de aprovação entre a população.
Por outro lado, o ex-presidente Álvaro Uribe, principal opositor
dos acordos de paz e acusado de vínculos com os paramilitares, é
hoje um dos políticos com maiores taxas de popularidade na
Colômbia. Embora ainda não tenha se pronunciado sobre o texto
final, no início de agosto Uribe pediu voto pela rejeição do acordo
na consulta popular. Considerando que o texto final tem quase
trezentas páginas e inúmeros detalhes, terá início um período
importante de informação e conscientização do público em geral,
contra os mitos
e as falsas informações difundidas pelos opositores.
Pontos
do acordo
1. Reforma rural integral
- transformação estrutural do campo
2. participação política e abertura democrática
- direitos e garantias para o exercício da oposição democrática, em
particular por parte de novos movimentos que surjam dos acordos de
paz;
- garantias de segurança para as lideranças de movimentos sociais e
defensores de direitos humanos
- promoção de representação política de populações e zonas
especialmente afetadas pelo conflito
3. cessar-fogo bilateral e definitivo; desarmamento
- desarmamento das Farc, em três etapas, a cargo das Nações Unidas;
- incorporação dos guerrilheiros à vida civil e política:
- garantias para reconhecimento jurídico de um eventual novo
partido;
- garantias para o recebimento de recursos do fundo partidário e
para o financiamento de campanhas;
- acesso aos meios de comunicação em igualdade de condições com
outros partidos;
- fórmula transitória para garantir a participação do futuro
movimento político na Câmara e no Senado, com cinco cadeiras em
cada casa legislativa
- garantia de segurança e luta contra organizações paramilitares
4. drogas ilícitas
- programa de substituição de cultivos ilícitos com a participação
das comunidades
- renúncia de ação penal contra pequenos agricultores
5. Vítimas – sistema integral de verdade, justiça reparação e não
repetição.
- reconhecimento da responsabilidade frente às vítimas,
esclarecimento da verdade e reparação;
- Jurisdição Especial para a Paz:
- marcos de referência: Direito Internacional dos Direitos Humanos;
Direito Internacional Humanitário e Direito Penal
Internacional/Estatuto de Roma
- anistia mais ampla possível em consonância com o Protocolo II das
convenções de Genebra
- delitos anistiáveis: rebelião, sedição, porte ilegal de armas,
mortes em combate compatíveis com o direito internacional
humanitário, entre outros.
- delitos não anistiáveis: crimes de guerra e de lesa-humanidade,
entre os quais: a tomada de reféns, tortura, execuções
extrajudiciais, desaparecimentos forçados, violência sexual,
recrutamento de menores.
- para crimes não anistiáveis, com reconhecimento da
responsabilidade e colaboração na elucidação da verdade, penas de
cinco a oito anos de privação de liberdade. Caso não haja
contribuição com a verdade, seguem-se as penas previstas nas leis
colombianas, que vão de quinze a vinte anos de reclusão.
- componente de justiça também se aplica a agentes do Estado que
tenham cometido crimes relacionados ao conflito
- as penas levarão em conta: o grau da verdade fornecido; a
gravidade da conduta julgada; o nível de participação e
responsabilidade; e o compromisso em matéria de reparação às
vítimas e garantias de não repetição
6.
Mecanismo de implementação e verificação
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