“A
aventura de construir um Partido de base popular que viesse a
representar de maneira independente os interesses dos trabalhadores
na sociedade brasileira, ainda sob a ditadura empresarial-militar
imposta ao país pelo golpe de abril de 1964, percorre a esta altura
três décadas e meia.
No
10 de fevereiro de 1980 estavam amadurecidas as condições para dar
forma a um organismo partidário que representasse as aspirações de
uma classe social que se encontrava incluída, como mão-de-obra, no
setor de ponta de economia, mas excluída da arena política. Uma
classe que se revelou capaz pelo instrumento das greves, das
mobilizações de massas e da ação parlamentar de estabelecer
alianças com diferentes setores sociais para por abaixo uma tirania
já em declínio.
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O
PT foi diagnosticado inicialmente como um incômodo a ser digerido e
eliminado pela repressão pura e simples ou pela própria dinâmica
do metabolismo institucional da transição pelo alto engendrada por
seu principal estrategista, o Gal. Golbery. Ao forçar as portas
daquele sistema político concebido para abrigar disputas sob o
estrito controle do regime ditatorial, entre os grande senhores da
indústria, do agronegócio nascente e dos antigos monopólios de
comunicação nutridos pelo regime, o Partido dos Trabalhadores
cometeu um delito: o delito original de ter nascido.
Com
voz própria, ainda que desafinada, mas vigorosa, por liberar uma
polifonia, àquela altura irreprimível, de reivindicações,
desejos, esperanças, agredia com seu timbre dissonante os ouvidos de
uma sociedade alfabetizada pelo silêncio. A campanha das “Diretas
Já” mobilizou milhões. Se não venceu de imediato, sacudiu
irremediavelmente os alicerces do regime. Com os movimentos sociais,
sua base primeira, em ascensão, o PT se consolidou como expressão
política dos de baixo e como projeto popular de desenvolvimento para
o Brasil.
Passados
vinte e dois anos de batalhas ganhas e perdidas, mas sobretudo
ganhas, o Partido dos Trabalhadores liderou a ampla aliança que
venceu as eleições de 2002. Levou à chefia do governo central o
operário metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, tendo como Vice um
empresário bem sucedido, o mineiro José Alencar. O PT cometeu aí
um delito derivado.
Alcançou
algo surpreendente. Inconcebível para os de cima e por isso mesmo
imperdoável para as instituições moldadas à sua semelhança:
venceu as eleições dentro das regras estabelecidas por seus
adversários. E pôs à frente do país um homem que encarna tudo que
aquelas elites políticas tradicionais, herdeiras da cultura da Casa
Grande, rejeitam: ele vem do nordeste do país, região identificada
pelos de cima, como paradigma do atraso e da dependência; ele vem do
mundo do trabalho num país em que as elites descendentes dos
senhores de escravos rejeitam o trabalho como atividade para negros e
inferiores; ele vem do chão da fábrica, das ruas e não das
universidades, nem da caserna que produziram os principais dirigentes
da nação.
Desmentindo
os vaticínios dos pretensos ‘formadores de opinião’, esse homem
conduziu o país sob o fogo quotidiano e implacável do cartel da
mídia conservadora, por dois mandatos à frente de um governo que
incorporou no seu percurso, além dos seus aliados tradicionais, no
campo da esquerda, parcela do centro do espectro político do país e
mesmo setores de direita pulverizados em representações partidárias
de menor relevância. Um governo complexo que produziu modificações
profundas no perfil da distribuição de renda do Brasil, combateu a
fome e as desigualdades regionais, deu os passos necessários para
consolidar um mercado interno de massas, imprimiu um novo ritmo e uma
nova qualidade ao nosso desenvolvimento.
Renovou
o rosto da diplomacia brasileira e afirmou a imagem do Brasil diante
do mundo como nunca na história. Reorientou as relações
internacionais para uma perspectiva Sul-Sul, com ênfase na América
do Sul, sem deixar as parcerias anteriores, Europa e EUA e ampliou-as
firmando novas em extensão e qualidade. Apresentou o país como
destino seguro para investimentos, afirmou nossa soberania pagando as
dívidas com o FMI libertando-nos da condição humilhante,
subalterna de nação tutelada.
Chegou
ao fim do mandato apoiado pela maioria esmagadora da população
independente do extrato social, credo religioso ou filiação
partidária. As descobertas das jazidas do pré-sal pela Petrobrás e
a adoção do Sistema de Partilha para sua exploração apontaram um
novo rumo para o processo de desenvolvimento do Brasil, estabelecendo
um sólido vínculo programático entre o PT e a tradição
trabalhista anterior, vigente no período Vargas. Ao encerrar o
segundo mandato do Presidente Lula, o PT cometeu um terceiro delito:
o delito de eleger uma mulher para dirigir o Brasil.
No
país herdeiro da cultura política do patriarcalismo dos coronéis
de rebenque, espora e chapelão, do machismo explícito ou
dissimulado, elegeu pela primeira vez na história uma mulher para a
Presidência da República: Dilma Rousseff. Militante da resistência
à ditadura desde a juventude e da reconstrução da democracia
depois de cumprir pena nas prisões do regime. Trouxe consigo os
sonhos da geração que se lançou à vida pública para enfrentar a
tirania e devolver à nação sua perspectiva de retomada do
desenvolvimento inclusivo, democrático e soberano.
A
construção política que tornou possível esses avanços não tem o
direito de esperar trégua dos seus adversários, herdeiros
implacáveis da cultura escravocrata, colonizada, autoritária,
machista, intolerante que marca historicamente o exercício da
política no Brasil. Ao afirmar-se na sua certidão de batismo como
um Partido que lutará “por uma sociedade sem explorados e sem
exploradores”, um partido socialista e democrático, o PT selou sua
trajetória e o combate implacável que receberá enquanto se fizer
presente na cena política do país.
O
Partido dos Trabalhadores depois de três décadas e meia de
protagonismo nas lutas contra a Ditadura empresarial-militar e pela
reconstrução da Democracia se encontra numa encruzilhada. Ou
aprofundamos o processo de transformação que desencadeamos na
sociedade brasileira, produzindo alterações relevantes no sistema
político partidário do país e que resultou nos governos Lula e
Dilma, nos afirmando como um Partido socialista ou sucumbimos à
moléstia que acometeu as legendas que nos precederam: um partido sem
projeto nacional, um aglomerado de mandatos incapaz de se por à
altura da tradição que construímos e dos desafios para conduzir o
projeto de sociedade pelo qual lutamos com êxito ao longo de doze
anos de mandatos consecutivos: dirigir uma das maiores economias do
mundo, um país que combata as desigualdades e respeite as
diferenças, que garanta a sustentabilidade socioambiental, um país
que acolha todos os seus filhos.
Entre
as tarefas que o Partido dos Trabalhadores deverá cumprir nessa
etapa em que iniciamos o quarto mandato, está a recuperação da
autoestima dos brasileiros e de sua própria autoestima
sistematicamente demolidas pelo cartel da mídia conservadora que
pretende converter a política em crime. Esse cartel – verdadeiro
obstáculo ao avanço da Democracia e ao direito à informação –
não suporta a altivez que conquistamos com os governos Lula e Dilma
diante do mundo. Coordena uma ofensiva contra a Petrobrás, não para
sanear as práticas de corrupção que, de resto, prosperaram desde
os governos tucanos, mas para retirar da maior empresa pública
brasileira e uma das maiores petroleiras do mundo as condições de
credibilidade necessárias para gerir a exploração das jazidas do
pré-sal, entrega-las por meio do regime de concessões para as
empresas estrangeiras. E bloquear assim o fluxo de recursos capaz de
sustentar um novo ciclo de desenvolvimento inclusivo e democrático
para o Brasil.
O
bloco conservador, derrotado mais uma vez nas eleições democráticas
de 2014, à falta de um projeto próprio de desenvolvimento para o
país, projeta sobre o PT todas as mazelas que engendrou e pratica
quotidianamente, ou seja, não somos combatidos por nossos erros, mas
pelo compromisso fundamental de fidelidade aos interesses dos
trabalhadores. Por essa razão que justifica historicamente a
presença do PT no cenário político do país, ao iniciar o quarto
mandato consecutivo à frente da Presidência da República,
afirmamos diante da sociedade brasileira que as elites conservadoras
que há alguns anos expressaram publicamente o desejo de “acabar
com essa raça” entendam: três décadas e meia depois, viemos para
ficar. E lembra-los, inspirados no poeta chileno Pablo Neruda: “Para
nascer, nascemos”.”
Com
este excelente texto de Pedro Tierra
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