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O
BONDE DA HISTÓRIA ESTÁ PASSANDO
18 06 2013
A insatisfação desprovida de
agenda, liderança e capacidade de negociação -que implica
hierarquizar, exigir e transigir, conforme as circunstâncias- leva à
revolta desordenada que se desespera com o paradoxo de sua própria
força. Uma força descomunal que gira em falso e se exaure. O chão
achatado pelo peso da inconsequência estratégica é o campo fértil
da regressividade social e política. Nenhuma sociedade admite se
transformar em um parafuso espanado, à mercê da incerteza
paralisante. O PT e os partidos à esquerda do PT talvez ainda tenham
condições de definir uma agenda progressista para a estupenda
energia liberada pelas explosões de protestos que varrem o país há
13 dias. Talvez. Mas para isso precisam vencer uma rejeição mútua
e autodestrutiva, que não é propriamente novidade na história da
esquerda mundial. Na Alemanha, nos anos 20, essa negociação não se
deu. No Chile, em 1973, ela tampouco aconteceu. Na Espanha de 2011,
idem. Os resultados são conhecidos. O Brasil não é a Alemanha de
Weimar, nem o Chile de Allende ou a Espanha do PP, onde o
neofranquismo ascendeu à sorrelfa dos indignados que coalhavam a
Praça do Sol. Mas o Brasil está vivendo um movimento de massas
vigoroso e espontâneo. Que se espalha magistralmente sem que as
forças de esquerda disponham, sequer, de um fórum para avaliar um
denominador de propostas críveis, capaz de transformá-lo na
alavanca reordenadora de um processo de desenvolvimento que vive o
seu ponto de mutação. Ou alguém acha que basta revogar centavos de
tarifa e a pasta de dente gentilmente voltará ao tubo? Se as forças
democráticas, lideradas pelos partidos de esquerda e as organizações
progressistas, não tiverem a capacidade de construir as linhas de
passagem para um novo ciclo, com um salto de democracia participativa
e metas de qualidade para a dimensão pública da vida, alguém o
fará. Na direção oposta à da democracia social que o país luta
por construir desde o fim da ditadura militar e antes dela. Todo o
dispositivo conservador opera febrilmente no sentido de desqualificar
a capacidade progressista de conduzir o passo seguinte da economia e
da sociedade. O projeto que pretendem recuperar é sabido. Talvez
ainda haja tempo de evitá-lo. Há muito a se perder e muito a se
ganhar na roleta dos dias que correm. O bonde da história está
passando. E a esquerda não é a única a disputar a vaga do
motorneiro.
Saturação
e projeto
A rapidez e a abrangência dos
acontecimentos em marcha turvam a compreensão mais geral do que se
passa no país.
Sentenças frívolas e ligeirezas interessadas
tentaram instrumentalizar o aluvião desregrado, comprimindo-o entre
as margens de uma canaleta estreita.
Foram atropeladas.
A
mídia conservadora encabeça a série dos revezes.
Movida
inicialmente pelo indisfarçável objetivo de desgastar gestões
progressistas – na esfera municipal e federal— os veículos
conservadores foram rapidamente desalojados da carona
desautorizada.
Da sofreguidão convocatória partiram para o
linchamento dos ‘vândalos’.
Em seguida, foram
atropelados pela truculência repressiva, acobertada, no caso de São
Paulo, pelo governo estadual que apoiam.
Recuaram, entre
estupefatos e perplexos.
O que se viu nas últimas horas
espraiou essa mesma perplexidade nas diferentes dimensões da vida
política e partidária.
Em 11 capitais, milhares foram
às ruas.
Os 20 centavos que motivaram a mobilização
original em São Paulo , no dia 6 de junho, tornaram-se ainda mais
irrisórios diante da abrangência e da intensidade do que se vê, 12
dias depois.
O que está em jogo é muito mais do que
caraminguás.
As ruas requisitam uma nova agenda
política para o Brasil.
Não significa desqualificar
conquistas e avanços preciosos dos últimos anos.
Mas a
história apertou o passo. Talvez até porque a musculatura do
percurso agora o permite.
A verdade é que as engrenagens e
canais disponíveis não souberam interpretar o vapor acumulado nessa
marcha batida.
Um viés economicista pretendeu resolver
na macroeconomia – à frio – aquilo que pertence ao escrutínio
permanente da democracia: as escolhas do futuro e os sacrifícios do
presente.
Restritas, em grande parte, à negociação
parlamentar, essas escolhas foram blindadas com o ferrugem dos
interesses consolidados.
Com os desvios sabidos e as
consequências conhecidas.
As ruas requisitam um aggiornamento
da agenda política brasileira.
A inauguração de um novo
ciclo histórico depende de programas e projetos que reflitam esse
sentimento difuso que brota de norte a sul.
Saturação
diante do caos urbano.
Angústia coletiva com o
definhamento da dimensão pública da vida.
Opressão da
existência individual, sobrecarregada de demandas coletivas ainda
não contempladas.
Insensibilidade da representação política
tradicional diante do grito entalado no fundo do peito de milhões
que sacolejam diariamente nos ônibus e metrôs lotados.
Tudo
isso e muito mais que isso.
No capitalismo globalizado não
temos mais o 'privilégio' do sofrimento exclusivamente local.
A
ordem neoliberal tornou-se uma usina de desordem urbi et
orbi.
Líderes não lideram.
Mercados
mandam. Governantes obedecem.
A soberania nacional tornou-se
intrinsecamente subversiva e disfuncional. Ao mesmo tempo e com igual
intensidade.
Os instrumentos convencionais de escrutínio
coletivo não respondem aos estímulos.
As urnas
decidem; o dinheiro desautoriza. A mídia abjura.
Os
fundamentos do sistema perderam a aderência da sociedade.
Como
um trem fora dos trilhos, o que seria o fim da História forma hoje
um comboio desgovernado, que marcha ora na inércia, ora fora dos
trilhos.
Mas não cai. E não cairá por si.
A
liderança do processo brasileiro está em aberto.
Mais
que isso.
A ausência de uma plataforma capaz de dar unidade e
coerência a aspirações fragmentadas e avulsas pode asfixiar o que
as ruas tentam dizer.
Vem da Espanha reluzente de
protestos na Praça do Sol um alerta desconcertante.
Madri
e Barcelona consagraram-se como o epicentro da indignação
global.
Desde 15 de maio de 2011, quando o 'Democracia
Já' convocou uma manifestação na Praça do Sol, até os protestos
em 92 países, em 15 de outubro de 2011, passaram-se fulminantes
cinco meses de ascensão linear das ruas.
A passeata
original deu lugar a um acampamento formado por um mar de
indignados.
A ocupação na Praça do Sol resistiria por 79
dias.
O termo 'indignado' globalizou-se.
Surgiu
o 'Ocupe Wall Street’, que mirou com argúcia o alvo da indignação:
o dinheiro sem pátria e a pátria rentista sem fronteira, mas
detentora de governos e Estados.
Em outubro de 2011, o
sentimento nascido na Praça do Sol tornou-se o novo idioma político
global, compartilhado por um milhar de cidades em todos os
continentes.
Mas nem por isso imune às sombras.
No
momento em que as praças rugiam a insatisfação de milhares de
vozes, o voto popular consagrava nas urnas o Partido Popular, de
Aznar.
A cepa herdeira do franquismo obteve uma vitória
esmagadora nas eleições espanholas de 20 de novembro de 2011.
A
votação recebida pelo conservadorismo, que hoje esfola e sangra o
povo espanhol, estendendo o desemprego a 52% de sua juventude,
garantiu-lhe, ainda, maioria folgada no Parlamento.
O paradoxo
do 'sol e da escuridão' não pode ser esquecido, nem minimizado pelo
frescor da indignação que ecoa agora de uma dezena de capitais do
país.
Hoje, ninguém é de ninguém.
Em
política, como dizem, com razão, suas 'raposas', não existe
vácuo.
Na Espanha, a vitória eleitoral do
ultra-conservadorismo, em 2011, só foi possível porque a abstenção,
sobretudo jovem, atingiu proporções epidêmicas no berço mundial
dos indignados.
A exemplo do que ocorreu na Espanha, nos
EUA e, mais recentemente, na Itália , em algum momento os indignados
brasileiros serão chamados a refletir - talvez precocemente - sobre
as escolhas do poder.
O poder de Estado.
Os
compromissos que a luta pelo poder impõe.
A
impossibilidade de ignorá-la; e, sobretudo, a escolha da melhor
estratégia para pautar o seu exercício, a cada movimento da
história.
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