Mídia internacional tem
narrativa diferenciada sobre a crise no Brasil
Dando sequência a um movimento que ganhou
ritmo há cerca de duas semanas, a imprensa internacional tem
publicado várias notícias sobre a crise política no Brasil. Nos
últimos dias, jornais de grande circulação internacional
repercutiram as notícias relacionadas ao processo de impeachment da
Presidenta Dilma Rousseff e à tentativa de golpe em curso no país.
Embora este levantamento não seja exaustivo, nota-se que as notícias
veiculadas na imprensa internacional são relativamente mais
plurais, se comparadas ao viés oposicionista da grande mídia no
Brasil.
Neste sentido, o espanhol El
Pais publicou, por exemplo, entrevista com o presidente do PT,
Rui Falcão, na qual foram abordados temas como a Lava Jato, a
questão do impeachment/golpe e a popularidade da Presidenta Dilma
Rousseff. Em outra notícia, o jornal apontou a presença do
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, nos documentos
vazados da empresa panamenha Mossack Fonseca e,na mesma linha,
o jornal destacou a presença de dirigentes de pelo menos sete
partidos brasileiros na lista vazada, dos quais nenhum filiado ao
PT.
O NYTimes
repercutiu a decisão do STF de determinar que Eduardo Cunha
aceite o pedido de impeachment do vice-presidente Michel Temer; a
notícia afirma ainda que a decisão ocorre em um momento em que a
movimentação do PMDB perde ímpeto, após a decisão de romper com o
governo ser ignorada por vários ministros do partido. Em outra
matéria o jornal faz um perfil de Temer e do PMDB, com
a tradução de trechos da carta escrita pelo vice em dezembro do ano
passado. Ainda no site do NYTimes
há um vídeo de cerca de um minuto,
legendado em inglês, com trechos do discurso do ex-presidente Lula
na manifestação pela democracia e contra o golpe.
O inglês The
Guardian também tem publicado matérias sobre o Brasil,
dentre as quais uma detalhada notícia sobre as
mobilizações contra o golpe do dia 31 de março e um perfil de Temer, no qual
destaca a baixa fidelidade ideológica do PMDB, trechos da carta do
vice-presidente de dezembro e a aceitação das propostas de Temer
pela direita e pelos empresários – em torno de privatizações e
austeridade. A notícia repercute ainda declarações de Ciro Gomes e
Paulo Pimenta sobre o papel do vice na gestação da tentativa de
golpe e afirma não haver nenhuma certeza sobre o impeachment até o
momento, já que o governo pode conseguir bloquear a proposta na
Câmara, com sustentação das mobilizações de rua contra o golpe e
com a divisão do PMDB.
No dia 31 de março, a revista especializada em
política internacional, Foreign
Policy publicou um artigo sobre o papel de “agitadores”
do golpe no Brasil, em particular sobre os vínculos de Rodrigo
Constantino com Andrew Breitbart, segundo a revista, uma das
figuras mais controversas da mídia nos Estados Unidos, que ajudou a
promover a ascensão do Tea Party no início da década. O artigo
destaca ainda como estes setores ultraradicalizados no Brasil obtém
treinamento e financiamento por parte de think tanks
de extrema direita nos Estados Unidos, via organizações como a
Atlas Network e Students for Liberty, tema que vem recebendo a
atenção de diversas publicações nas últimas semanas. O texto afirma
ainda que os manifestantes pró-impeachment não focam nos méritos
das acusações de pedaladas fiscais, mas sim na narrativa repetitiva
anti-PT de Constantino e do Movimento Brasil Livre e que, por fim,
mesmo que o impeachment seja barrado, estes setores já conseguiram
puxar o discurso político no Brasil para a direita.
Os jornais da América Latina também têm
repercutido as notícias da conjuntura brasileira. Destaca-se artigo da professora Monica Hirst
publicado no argentino La
Nación, na última terça, no qual Hirst afirma que a
democracia deve ser considerada um bem público coletivo e sua
preservação deve contar com esforços de todos os países da região.
No âmbito dos organismos internacionais, o
uruguaio Luis Almagro, secretário geral da
OEA, afirmou que não há nenhum fundamento para o impeachment,
durante um evento em Washington. Por sua vez, o presidente da Corte Interamericana
de Direitos Humanos, o juiz Roberto Caldas, fez severas
críticas à divulgação de áudios pelo juiz Sergio Moro, afirmando
que “todas as leis do mundo que tratam de escutas telefônicas são
restritivas”. Caldas lembrou ainda do caso Escher, no qual o Brasil
foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por
escutas ilegais e posterior divulgação de comunicações de
integrantes do MST, pela justiça estadual do Paraná.
Panamá
Papers
No último domingo, o Consórcio Internacional de Jornalistas
Investigativos (ICIJ na sigla em inglês) divulgou notícias sobre
mais de 11 milhões de documentos internos vazados da
empresa de advocacia panamenha Mossack Fonseca, que apontam
como firmas de advocacia e grandes bancos vendem confidencialidade
a políticos, empresários, artistas, jogadores de futebol em um
esquema multibilionário de contas em paraísos ficais, que podem ser
usadas para a lavagem de dinheiro e evasão fiscal. A fonte do
vazamento não é conhecida.
As offshore
são empresas de fachada, que não realizam atividades
propriamente ditas, mas aproveitam as vantagens fiscais e de
confidencialidade oferecidas em paraísos fiscais. A criação de uma offshore
em si não é ilegal, mas a atividade passa a ser um crime se a posse
de dinheiro no exterior não for declarada às autoridades fiscais
nacionais.
Segundo as primeiras notícias sobre os Panama Papers,
dezenas de chefes de Estado e governo estão na lista, como o russo
Vladimir Putin, o chinês Xi Jinping, o argentino Mauricio Macri e
primeiros ministros da Islândia, Paquistão e Arábia Saudita, entre
vários outros. O primeiro ministro da Islândia renunciou após o
vazamento apontar contas secretas em seu nome e de sua esposa com
milhões de dólares em títulos de bancos islandeses durante a crise
financeira que quebrou o país.
Segundo notícia do site do ICIJ os
documentos vazados da Mossack Fonseca conteriam informações sobre
mais de 214 mil empresas offshore, conectadas a pessoas em
praticamente todo o mundo.
Até o momento, a lista completa de envolvidos não é pública. Os
documentos estão em posse de centenas de jornalistas do Consórcio.
A expectativa é que o ICIJ divulgue a lista completa de nomes no
início de maio.
No Brasil, o jornalista Fenando Rodrigues,
integrante do Consórcio, informou a existência de 107 empresas em paraísos fiscais
ligadas a investigados na operação Lava Jato.
Dado o volume de dados, com mais de 11 milhões
de documentos, as informações divulgadas até agora são apenas a
ponta do iceberg. Contudo, a ausência de políticos e empresários
estadunidenses tem provocado questionamentos. Na sua conta do
twitter, o Wikileaks, organização de ciberativistas fundada por
Julian Assange para dar publicidade a documentos secretos, acusou o
governo dos Estados Unidos de financiar o vazamento para atingir
Putin e a Rússia. Ainda segundo o Wikileaks, a Organized
Crime and Corruption Reporting Project, organização sem
fins lucrativos parceira do Consórcio de Jornalistas na
investigação dos documentos, seria financiada pela Usaid e pela
fundação Open Society, do bilionário George Soros. Kristinn
Hrafnsson, porta-voz do Wikileaks, tem pedido
que o ICIJ divulgue todos os documentos na internet, para
acesso público e irrestrito.
A expectativa é que os documentos vazados
lancem luz sobre o funcionamento dos paraísos fiscais, em especial
sobre a prática sistemática de sonegação fiscal e evasão de divisas
por parte de empresários, celebridades e políticos, com a
participação decisiva de grandes bancos. É possível também que os
documentos permitam um dimensionamento mais concreto do volume de
recursos movimentados em paraísos fiscais, que até hoje são apenas
estimados.
Eleições
presidenciais no Peru
No próximo domingo, o Peru vai realizar o primeiro turno das
eleições presidenciais. Após uma campanha amplamente dominada pela
candidata Keiko Fujimori, a surpresa das últimas semanas é o expressivo crescimento da
candidatura de Veronika Mendoza, única candidatura de esquerda,
apoiada por uma série de movimentos e partidos dentro da coalizão
Frente Ampla.
No último mês a intenção de voto em Mendoza saltou de menos de 5%
para cerca de 15% na última pesquisa Ipsos, tornando muito concreta
a disputa de uma vaga no segundo turno.
Segundo pesquisa da Ipsos Peru, Keiko
Fujimori registra cerca de 40% dos votos válidos. Em segundo lugar
está Pedro Pablo Kuczynski, economista de tendência neoliberal,
ex-funcionário do Banco Mundial e ministro durante o governo de
Alejandro Toledo, com 19,9% dos votos. Veronika Mendoza situa-se
empatada tecnicamente com Kuczynski, com 18,4% dos votos válidos (crescimento
de quatro pontos em comparação com a pesquisa da semana anterior).
As duas categorias de indecisos registradas pela Ipsos chegam a
27%.
Mendoza se elegeu deputada pelo Partido
Nacionalista Peruano (do atual presidente Ollanta Humala) mas,
assim como outros líderes da esquerda peruana, se afastou do
governo depois do giro conservador de Humala. No último mês sua
campanha se fortaleceu no sul no país, onde já supera as intenções
de voto de Fujimori.
No dia 5 de abril, aniversário do autogolpe de
Estado de Alberto Fujimori, uma marcha em Lima, organizada por
coletivos culturais, de jovens e universitários, reuniu mais
de 40 mil pessoas nas ruas da capital
contra a candidatura de Keiko. O ato lembrou ainda as graves
violações de direitos humanos cometidas pelo governo de Alberto
Fujimori, como a esterilização forçada de mais de 200 mil mulheres,
sobretudo indígenas e camponesas. Fujimori segue preso por crimes
contra a humanidade. Mais de vinte cidades no Peru e no exterior
realizaram marchas no mesmo dia. Segundo Carmen Ilizarbe, cientista
política peruana, as mobilizações de rua cobrem um
vácuo no debate público em torno das eleições no país, dada a
inclinação da mídia pela candidatura de Fujimori.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário