O
governo provisório e as mudanças na agenda de política externa
Como tem sido amplamente apontado em artigos e
análises, embora o governo em exercício seja provisório,
iniciativas as mais diversas têm reforçado o diagnóstico de que a
consumação do golpe se reflete na adoção de medidas que caminham na
contramão do projeto político escolhido nas urnas em 2014. No caso
da política externa não é diferente. Embora ainda não tenhamos
ações com resultados concretos, o chanceler interino, bem como
outros ministros provisórios, têm dado sinais dos rumos que
pretendem seguir com relação à inserção internacional do
Brasil.
Em nota
oficial, o Itamaraty anunciou a possibilidade de reverter o
voto do Brasil numa decisão do conselho executivo da Unesco, sobre
o patrimônio cultural nos territórios ocupados da Palestina. A
reunião aconteceu em 15 de abril e o voto do Brasil havia acompanhado
a maioria dos países: 33 a favor, 6 contra e 17 abstenções. A nota
não acarreta nenhum efeito concreto imediato e justamente por isso
chama a atenção, na medida em que parece sinalizar politicamente
uma mudança
na posição histórica (não apenas nos governos Lula e Dilma) do
Brasil sobre a Palestina.
Outra medida de alta carga simbólica foi o
anúncio do ministro provisório da Justiça, Alexandre de Morais, de
suspender as conversas iniciadas com a União Europeia para o acolhimento
de refugiados sírios no Brasil. As tratativas incluíam a busca
de recursos internacionais para acolher 100 mil pessoas, iniciativa
que reforçava um poder simbólico relevante construído pelo Brasil
em temas humanitários.
No âmbito regional, o destaque foi a visita do
líder da oposição venezuelana e governador do estado de Miranda,
Henrique Capriles ao chanceler interino José Serra. Na semana
passada, Capriles esteve na Argentina, no Paraguai e no Brasil, em
busca de apoio externo. Embora Serra tenha declarado que o Brasil
deva buscar uma posição de não-intervenção, na prática a nota
divulgada pelo Itamaraty acena para a oposição venezuelana, ao
mencionar explicitamente apoio ao referendo revogatório pela
primeira vez e expressar julgamentos sobre o funcionamento das
instituições venezuelanas.
Na linha de uma atuação “sem grandes
protagonismos”, na semana passada alguns veículos de imprensa
divulgaram a notícia de que o Brasil
estuda abandonar sua participação em 34 organizações internacionais,
a partir de uma lista elaborada pelo ministério do planejamento.
Ainda que a lista supostamente contenha algumas organizações de
pouca relevância, no mesmo pacote estariam seis instituições do
Mercosul, como o Instituto Social (ISM), o Instituto de Políticas
Públicas para Direitos Humanos (IPPDH) e o Tribunal Permanente de
Revisão. Tanto o ISM e o IPPDH são órgãos criados durante o governo
Lula, com o objetivo de diversificar a agenda de integração
regional e promover a coordenação de políticas públicas nas áreas
de desenvolvimento social e direitos humanos entre os países do
bloco. O Tribunal Permanente de Revisão, instituído no último ano
de governo FHC, é o órgão de solução de controvérsias do Mercosul.
Embora a maioria dos conflitos entre os membros seja resolvida
diretamente pelos executivos nacionais, uma eventual saída do órgão
deixaria o Brasil sem representação institucional no caso de
conflitos comerciais, o que faria pouco sentido e revelaria baixo
grau de conhecimento das questões internacionais por parte da
equipe provisória do ministério do planejamento.
No plano das negociações comerciais, tema
prioritário da agenda do governo interino, a notícia veio do
Ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), com o
anúncio de que o Brasil pedirá para participar das negociações do
Acordo sobre Comércio de Serviços (TiSA). Este acordo de serviços
vem sendo negociado fora do âmbito da OMC, por Estados Unidos,
União Europeia e outros 22 países (dentre os quais Chile, Colômbia,
Costa Rica, México, Panamá, Paraguai e Peru na América Latina) e
tem como objetivo promover uma liberalização ampla do setor,
incluindo o transporte aéreo e marítimo, comércio eletrônico,
telecomunicações, contabilidade, engenharia, consultoria, saúde e
educação privadas. Embora negociado em sigilo, o histórico das
discussões na OMC e o vazamentos de alguns documentos das atuais
negociações indicam que um dos pontos centrais seria garantir a
igualdade de tratamento com relação a empresas nacionais e promover
a harmonização de regulamentações nacionais de modo a eliminar
restrições para a operação de empresas estrangeiras nas áreas
supracitadas. Se concretizado, o acordo deve abarcar cerca de 70%
do comércio mundial de serviços. Ainda nesta semana, o Brasil deu um
passo unilateral numa das áreas do TiSA, com a aprovação de um
medida provisória no Congresso que retira qualquer restrição à
empresas estrangeiras na participação acionária de empresas aéreas.
Desde a inserção dos serviços na agenda do comércio internacional
ainda no final dos anos oitenta, o país vinha tratando o tema com
cautela, que aumentou sobretudo a partir do TiSA. Isso porque,
embora o Brasil tenha alguns setores internacionalmente
competitivos, os países desenvolvidos tem perseguido uma estratégia
ofensiva que abrange todos os ramos do setor, o que levaria a
mudanças na legislação e imporia restrições à elaboração de
políticas públicas em áreas como educação e saúde. Além disso,
mesmo se a decisão fosse negociar, a atratividade do mercado brasileiro
em serviços também faz com que este seja um elemento forte de
barganha para a obtenção de concessões das economias centrais em
outras áreas, como a agricultura por exemplo. Esta sempre foi a
estratégia do Brasil na OMC. Como as negociações do TiSA se dão
fora da OMC, perde-se qualquer possibilidade de contrapartida.
O anúncio sobre o TiSA aconteceu num evento
promovido pela Confederação Nacional da Indústria. Na ocasião, a CNI
divulgou um documento com avaliações e prioridades para a agenda
internacional. O documento da CNI propõe a adoção de
ações em torno de dois eixos: influência sobre políticas comerciais
e serviço de apoio à internacionalização de empresas. Além da
participação no TiSA, o documento estabelece como prioridade:
- a incorporação dos acordos preferenciais de comércio como
elemento central da política comercial brasileira e a ampliação da
agenda das negociações comerciais;
- revisão da agenda interna do Mercosul e impulso a negociações
comerciais do bloco com terceiros países;
- prioridade à conclusão do acordo Mercosul-UE e ao acordo com o
México;
- abertura de negociações em comércio e investimentos com os EUA;
- não reconhecimento da China como economia de mercado.
Este último ponto faz referência específica a
um ponto que deve ser apreciado pela Organização Mundial do
Comércio este ano. Passados quinze anos da adesão da China, a OMC
vai discutir se o país cumpriu os compromissos assumidos para a
adoção de regras internacionais da mercado. A defesa da CNI de que
o Brasil não reconheça a China como economia de mercado está
diretamente associada à possibilidade aplicação de medidas antidumping,
pois o reconhecimento implicaria na aceitação dos preços praticados
no mercado chinês como referência para futuros painéis no órgão de
solução de controvérsias da OMC.
Em suma, embora provisória, as ações de
política externa em curso sinalizam modificações na agenda
diplomática do país e apontam realinhamentos políticos, o desmonte
do projeto de integração regional e mais espaço para o setor
privado na formulação das diretrizes de inserção internacional do
Brasil.
Governo
colombiano e FARC anunciam acordo histórico
Nesta quinta-feira o governo colombiano e as
FARC reúnem-se em Havana para divulgar detalhes do acordo
de cessar-fogo bilateral e definitivo, que deve por fim a 52
anos de conflito no país. Este é o passo mais significativo das
conversações de paz que começaram ainda em 2012 e incluíram a
negociação de inúmeros aspectos, como os mecanismos de justiça de
transição, a reparação às vítimas e a reintegração dos combatentes.
O acordo final deve ser assinado em julho e submetido
posteriormente a um referendo.
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