A
agenda de política externa do governo interino
Nesta quarta-feira, o Senador José Serra tomou
posse à frente do Ministério das Relações Exteriores. No discurso, o chanceler interino
aponta onze diretrizes para o que chama de “nova política
externa”*.
A primeira diretriz propõe resgatar uma
política externa de estado, que teria sido substituída por uma
visão partidária nos últimos 13 anos. Além disso, menciona que
políticas que em outros momentos possam ter servido ao interesse
nacional podem não ser mais compatíveis com o cenário
internacional. Com esta afirmação Serra parece sugerir que a visão
autonomista que, com graus e ênfases diferenciados, deu a linha da
política externa no governo Jango ou mesmo em parte do governo
militar teria sido uma política de Estado, mas durante os governos
Lula e Dilma não corresponderia às transformações do sistema
internacional. Contudo, se olharmos as mudanças do sistema
internacional, o argumento pode ser justamente o inverso, porque
certamente há mais elementos de multipolaridade no cenário
internacional nos últimos anos (que ampliaria a margem de ação
política do Brasil), se comparados à rigidez da bipolaridade dos
anos 60 e 70. Em outras palavras, as escolhas de política externa
baseadas na ideia de autonomia – que nas décadas de 60 e 70
refletiram-se na aproximação com o terceiro mundo e nos anos
recentes encontraram expressão nas ideias de cooperação sul-sul,
integração regional, BRICS – são consideradas ideológicas, ao passo
que escolhas inspiradas no livre comércio ou no alinhamento com a
posição de grandes potências são defendidas como “interesse
nacional”. Vale mencionar que vasta literatura na área das relações
internacionais aponta que em qualquer democracia, a formação dos
interesses do Estado, de suas posições e estratégias no cenário
internacional são fruto de coalizões domésticas, resultantes de
processos eleitorais (o que não se aplicaria aos delineamentos de
política externa do governo interino, que não foi eleito).
Duas diretrizes reiteram diretamente a
prioridade que será atribuída às negociações de acordos bilaterais
de livre comércio, mas o tema do comércio perpassa todo o discurso.
Para além do que já foi discutido em outros boletins sobre a
natureza destes acordos - cujo ponto central é convergência das
regulamentações nacionais à estrutura normativa que vem sendo
desenhada pelas grandes potências -, a sexta diretriz afirma que
estes acordos promoverão ampla consulta aos setores produtivos,
reforçando a percepção de grandes retrocessos no debate sobre a
participação de organizações da sociedade civil e de democratização
da política externa.
Praticamente todas as menções à América do Sul
e Latina, EUA, Europa, Japão, África e BRICS enfatizam a questão
comercial. Há referências à Argentina (cuja política externa
persegue objetivos semelhantes aos de Serra com o atual governo
Macri), ao México (pioneiro na assinatura de um acordo de livre
comércio com os EUA) e uma breve menção ao Mercosul (fortalecimento
do livre-comércio entre seus membros e aproximação com a Aliança do
Pacífico). Não há nenhuma menção à “integração regional” em todo o
discurso.
O tom comercial permanece com relação ao resto
do mundo: concluir acordo Mercosul-UE, aproveitar as oportunidades
de comércio e investimentos nos BRICS, solucionar em curto prazo a
imposição de barreiras não tarifarias pelos EUA. No caso dos EUA, o
discurso menciona que a política externa dará “igualmente ênfase às
imensas possibilidades de cooperação em energia, meio ambiente,
ciência, tecnologia e educação”. Para a África a proposta é
aumentar o intercâmbio comercial e reorientar a cooperação sul-sul
para uma “solidariedade estreita e pragmática”. A leitura completa
da nona diretriz sugere que toda a estratégia da cooperação sul-sul
será desmontada e restrita apenas ao intercambio comercial que,
apesar do jogo de palavras do discurso, não se configura como
cooperação internacional.
Por fim, há o acréscimo de uma 11a. diretriz,
referente à proteção das fronteiras contra o crime organizado.
Embora afirme que mobilizarão a “cooperação dos países vizinhos
para uma ação conjunta”, o histórico do chanceler interino (com
declarações agressivas contra a Bolívia e o Paraguai sobre o tema)
parecem apontar em outra direção, reforçando a suspeita de
prováveis retrocessos nos esforços ainda incipientes de se tratar o
tema do narcotráfico a partir de uma perspectiva regional e
autônoma, distinta da agenda militarizada financiada pelos EUA
desde os anos 90.
Em síntese, os elementos presentes no discurso
de Serra apontam para a redução de toda a agenda da diplomacia
brasileira ao tema comercial, para maior presença dos interesses do
setor privado na formulação destas políticas e colocam em prática
um estilo já anunciado no programa do então candidato José Serra em
2010: “sem grandes protagonismos”.
*
Mais informações sobre as perspectivas de política externa do
governo interino estarão no boletim mensal da FPA, a ser lançado no
início da próxima semana.
Crise na Venezuela
A grave situação econômica, política e social
enfrentada pela Venezuela (com forte recessão, alta inflação e
desabastecimento) se agravou nas últimas semanas. No início de
maio, a oposição apresentou 1,85 milhões de assinatura (segundo
números da própria oposição) para cumprir o primeiro passo na
convocação de um referendo revogatório do mandato do Presidente
Nicolas Maduro. O processo era esperado desde que a oposição venceu
as eleições legislativas de dezembro passado e conquistou maioria
qualificada na Assembleia Nacional.
Nesta primeira etapa a lei exige a
apresentação de assinaturas de apenas 1% do eleitorado (o que
corresponderia a cerca de 200 mil pessoas). Caso o Conselho
Nacional Eleitoral valide as firmas coletadas, os eleitores
precisam comparecer a um cartório para confirmar sua intenção. Se
confirmada a intenção deste 1%, o passo seguinte seria uma nova
coleta de assinaturas, desta vez de no mínimo 20% do eleitorado
(3,9 milhões).
A oposição e o CNE têm manifestado divergências
sobre o prazos para a divulgação do parecer oficial e validação
desta primeira etapa, o que vem alimentando acusações de ambas as
partes. Embora o referendo revogatório pareça inevitável, o
processo é longo. À oposição interessa finalizar a consulta antes
do dia 17 de janeiro de 2017, pois caso o resultado seja negativo
para o governo Maduro, a lei prevê a convocação de novas eleições.
Após esta data, o Vice-Presidente assumiria o governo até o fim do
mandato em 2019.
As tensões aumentaram depois que o Secretário
Geral da OEA, o uruguaio Luis Almagro aceitou analisar, por
solicitação de um deputado da oposição, se haveria justificativa
para aplicação da Carta Democrática Interamericana. Até
recentemente este instrumento foi utilizado para manter a suspensão
de Cuba da OEA e seu uso ao longo da história mostra-se bastante
seletivo, na medida em que não foi aplicado aos golpes militares do
passado, nem tampouco nos golpes institucionais mais recentes na
região. Nos últimos dias Maduro e Almagro trocaram insultos por
meio de declarações e redes sociais. Segundo o jornal uruguaio El
Observador, o MPP (setor da Frente Ampla do qual faz parte o
ex-Presidente Pepe Mujica) retirou seu apoio à Almagro,
que foi eleito senador por esta mesma agrupação em 2014, mas não
chegou a exercer o mandato devido à escolha para a OEA.
Ganha cada vez mais espaço um discurso
preocupante sobre o “colapso” do Estado venezuelano. Artigo recente
no The Atlantic, de co-autoria de
um tradicional opositor do chavismo radicado no MIT, menciona o
“colapso de uma nação democrática a poucas horas de voo dos EUA”.
Em casos anteriores de instabilidade em países da América do Sul, a
Unasul desempenhou um papel mediador importante, dentro da visão de
que a região precisaria garantir mecanismos autônomos para
solucionar crises e garantir a estabilidade política. Contudo, a
guinada da política externa brasileira e argentina devem dificultar
ações neste âmbito.
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