terça-feira, 24 de maio de 2016

BOLETIM DE CONJUNTURA INTERNACIONAL - FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO

Ano 3 - nº 46 - 20 de maio de 2016


A agenda de política externa do governo interino
Nesta quarta-feira, o Senador José Serra tomou posse à frente do Ministério das Relações Exteriores. No discurso, o chanceler interino aponta onze diretrizes para o que chama de “nova política externa”*.
A primeira diretriz propõe resgatar uma política externa de estado, que teria sido substituída por uma visão partidária nos últimos 13 anos. Além disso, menciona que políticas que em outros momentos possam ter servido ao interesse nacional podem não ser mais compatíveis com o cenário internacional. Com esta afirmação Serra parece sugerir que a visão autonomista que, com graus e ênfases diferenciados, deu a linha da política externa no governo Jango ou mesmo em parte do governo militar teria sido uma política de Estado, mas durante os governos Lula e Dilma não corresponderia às transformações do sistema internacional. Contudo, se olharmos as mudanças do sistema internacional, o argumento pode ser justamente o inverso, porque certamente há mais elementos de multipolaridade no cenário internacional nos últimos anos (que ampliaria a margem de ação política do Brasil), se comparados à rigidez da bipolaridade dos anos 60 e 70. Em outras palavras, as escolhas de política externa baseadas na ideia de autonomia – que nas décadas de 60 e 70 refletiram-se na aproximação com o terceiro mundo e nos anos recentes encontraram expressão nas ideias de cooperação sul-sul, integração regional, BRICS – são consideradas ideológicas, ao passo que escolhas inspiradas no livre comércio ou no alinhamento com a posição de grandes potências são defendidas como “interesse nacional”. Vale mencionar que vasta literatura na área das relações internacionais aponta que em qualquer democracia, a formação dos interesses do Estado, de suas posições e estratégias no cenário internacional são fruto de coalizões domésticas, resultantes de processos eleitorais (o que não se aplicaria aos delineamentos de política externa do governo interino, que não foi eleito).
Duas diretrizes reiteram diretamente a prioridade que será atribuída às negociações de acordos bilaterais de livre comércio, mas o tema do comércio perpassa todo o discurso. Para além do que já foi discutido em outros boletins sobre a natureza destes acordos - cujo ponto central é convergência das regulamentações nacionais à estrutura normativa que vem sendo desenhada pelas grandes potências -, a sexta diretriz afirma que estes acordos promoverão ampla consulta aos setores produtivos, reforçando a percepção de grandes retrocessos no debate sobre a participação de organizações da sociedade civil e de democratização da política externa.
Praticamente todas as menções à América do Sul e Latina, EUA, Europa, Japão, África e BRICS enfatizam a questão comercial. Há referências à Argentina (cuja política externa persegue objetivos semelhantes aos de Serra com o atual governo Macri), ao México (pioneiro na assinatura de um acordo de livre comércio com os EUA) e uma breve menção ao Mercosul (fortalecimento do livre-comércio entre seus membros e aproximação com a Aliança do Pacífico). Não há nenhuma menção à “integração regional” em todo o discurso.
O tom comercial permanece com relação ao resto do mundo: concluir acordo Mercosul-UE, aproveitar as oportunidades de comércio e investimentos nos BRICS, solucionar em curto prazo a imposição de barreiras não tarifarias pelos EUA. No caso dos EUA, o discurso menciona que a política externa dará “igualmente ênfase às imensas possibilidades de cooperação em energia, meio ambiente, ciência, tecnologia e educação”. Para a África a proposta é aumentar o intercâmbio comercial e reorientar a cooperação sul-sul para uma “solidariedade estreita e pragmática”. A leitura completa da nona diretriz sugere que toda a estratégia da cooperação sul-sul será desmontada e restrita apenas ao intercambio comercial que, apesar do jogo de palavras do discurso, não se configura como cooperação internacional.
Por fim, há o acréscimo de uma 11a. diretriz, referente à proteção das fronteiras contra o crime organizado. Embora afirme que mobilizarão a “cooperação dos países vizinhos para uma ação conjunta”, o histórico do chanceler interino (com declarações agressivas contra a Bolívia e o Paraguai sobre o tema) parecem apontar em outra direção, reforçando a suspeita de prováveis retrocessos nos esforços ainda incipientes de se tratar o tema do narcotráfico a partir de uma perspectiva regional e autônoma, distinta da agenda militarizada financiada pelos EUA desde os anos 90.
Em síntese, os elementos presentes no discurso de Serra apontam para a redução de toda a agenda da diplomacia brasileira ao tema comercial, para maior presença dos interesses do setor privado na formulação destas políticas e colocam em prática um estilo já anunciado no programa do então candidato José Serra em 2010: “sem grandes protagonismos”.
* Mais informações sobre as perspectivas de política externa do governo interino estarão no boletim mensal da FPA, a ser lançado no início da próxima semana.
Crise na Venezuela
A grave situação econômica, política e social enfrentada pela Venezuela (com forte recessão, alta inflação e desabastecimento) se agravou nas últimas semanas. No início de maio, a oposição apresentou 1,85 milhões de assinatura (segundo números da própria oposição) para cumprir o primeiro passo na convocação de um referendo revogatório do mandato do Presidente Nicolas Maduro. O processo era esperado desde que a oposição venceu as eleições legislativas de dezembro passado e conquistou maioria qualificada na Assembleia Nacional.
Nesta primeira etapa a lei exige a apresentação de assinaturas de apenas 1% do eleitorado (o que corresponderia a cerca de 200 mil pessoas). Caso o Conselho Nacional Eleitoral valide as firmas coletadas, os eleitores precisam comparecer a um cartório para confirmar sua intenção. Se confirmada a intenção deste 1%, o passo seguinte seria uma nova coleta de assinaturas, desta vez de no mínimo 20% do eleitorado (3,9 milhões).
A oposição e o CNE têm manifestado divergências sobre o prazos para a divulgação do parecer oficial e validação desta primeira etapa, o que vem alimentando acusações de ambas as partes. Embora o referendo revogatório pareça inevitável, o processo é longo. À oposição interessa finalizar a consulta antes do dia 17 de janeiro de 2017, pois caso o resultado seja negativo para o governo Maduro, a lei prevê a convocação de novas eleições. Após esta data, o Vice-Presidente assumiria o governo até o fim do mandato em 2019.
As tensões aumentaram depois que o Secretário Geral da OEA, o uruguaio Luis Almagro aceitou analisar, por solicitação de um deputado da oposição, se haveria justificativa para aplicação da Carta Democrática Interamericana. Até recentemente este instrumento foi utilizado para manter a suspensão de Cuba da OEA e seu uso ao longo da história mostra-se bastante seletivo, na medida em que não foi aplicado aos golpes militares do passado, nem tampouco nos golpes institucionais mais recentes na região. Nos últimos dias Maduro e Almagro trocaram insultos por meio de declarações e redes sociais. Segundo o jornal uruguaio El Observador, o MPP (setor da Frente Ampla do qual faz parte o ex-Presidente Pepe Mujica) retirou seu apoio à Almagro, que foi eleito senador por esta mesma agrupação em 2014, mas não chegou a exercer o mandato devido à escolha para a OEA.
Ganha cada vez mais espaço um discurso preocupante sobre o “colapso” do Estado venezuelano. Artigo recente no The Atlantic, de co-autoria de um tradicional opositor do chavismo radicado no MIT, menciona o “colapso de uma nação democrática a poucas horas de voo dos EUA”. Em casos anteriores de instabilidade em países da América do Sul, a Unasul desempenhou um papel mediador importante, dentro da visão de que a região precisaria garantir mecanismos autônomos para solucionar crises e garantir a estabilidade política. Contudo, a guinada da política externa brasileira e argentina devem dificultar ações neste âmbito.
* As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade de sua autora,
não representando necessariamente a visão da FPA ou de seus dirigentes.

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