quinta-feira, 14 de abril de 2016

BOLETIM DE CONJUNTURA INTERNACIONAL - FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO


Ano 3 - nº 43 - 08 de abril de 2016


Mídia internacional tem narrativa diferenciada sobre a crise no Brasil 
Dando sequência a um movimento que ganhou ritmo há cerca de duas semanas, a imprensa internacional tem publicado várias notícias sobre a crise política no Brasil. Nos últimos dias, jornais de grande circulação internacional repercutiram as notícias relacionadas ao processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff e à tentativa de golpe em curso no país.

Embora este levantamento não seja exaustivo, nota-se que as notícias veiculadas na imprensa internacional são relativamente mais plurais, se comparadas ao viés oposicionista da grande mídia no Brasil.
Neste sentido, o espanhol El Pais publicou, por exemplo, entrevista com o presidente do PT, Rui Falcão, na qual foram abordados temas como a Lava Jato, a questão do impeachment/golpe e a popularidade da Presidenta Dilma Rousseff. Em outra notícia, o jornal apontou a presença do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, nos documentos vazados da empresa panamenha Mossack Fonseca e,na mesma linha, o jornal destacou a presença de dirigentes de pelo menos sete partidos brasileiros na lista vazada, dos quais nenhum filiado ao PT.
O NYTimes repercutiu a decisão do STF de determinar que Eduardo Cunha aceite o pedido de impeachment do vice-presidente Michel Temer; a notícia afirma ainda que a decisão ocorre em um momento em que a movimentação do PMDB perde ímpeto, após a decisão de romper com o governo ser ignorada por vários ministros do partido. Em outra matéria o jornal faz um perfil de Temer e do PMDB, com a tradução de trechos da carta escrita pelo vice em dezembro do ano passado. Ainda no site do NYTimes há um vídeo de cerca de um minuto, legendado em inglês, com trechos do discurso do ex-presidente Lula na manifestação pela democracia e contra o golpe.
O inglês The Guardian também tem publicado matérias sobre o Brasil, dentre as quais uma detalhada notícia sobre as mobilizações contra o golpe do dia 31 de março e um perfil de Temer, no qual destaca a baixa fidelidade ideológica do PMDB, trechos da carta do vice-presidente de dezembro e a aceitação das propostas de Temer pela direita e pelos empresários – em torno de privatizações e austeridade. A notícia repercute ainda declarações de Ciro Gomes e Paulo Pimenta sobre o papel do vice na gestação da tentativa de golpe e afirma não haver nenhuma certeza sobre o impeachment até o momento, já que o governo pode conseguir bloquear a proposta na Câmara, com sustentação das mobilizações de rua contra o golpe e com a divisão do PMDB.
No dia 31 de março, a revista especializada em política internacional, Foreign Policy publicou um artigo sobre o papel de “agitadores” do golpe no Brasil, em particular sobre os vínculos de Rodrigo Constantino com Andrew Breitbart, segundo a revista, uma das figuras mais controversas da mídia nos Estados Unidos, que ajudou a promover a ascensão do Tea Party no início da década. O artigo destaca ainda como estes setores ultraradicalizados no Brasil obtém treinamento e financiamento por parte de think tanks de extrema direita nos Estados Unidos, via organizações como a Atlas Network e Students for Liberty, tema que vem recebendo a atenção de diversas publicações nas últimas semanas. O texto afirma ainda que os manifestantes pró-impeachment não focam nos méritos das acusações de pedaladas fiscais, mas sim na narrativa repetitiva anti-PT de Constantino e do Movimento Brasil Livre e que, por fim, mesmo que o impeachment seja barrado, estes setores já conseguiram puxar o discurso político no Brasil para a direita.
Os jornais da América Latina também têm repercutido as notícias da conjuntura brasileira. Destaca-se artigo da professora Monica Hirst publicado no argentino La Nación, na última terça, no qual Hirst afirma que a democracia deve ser considerada um bem público coletivo e sua preservação deve contar com esforços de todos os países da região.
No âmbito dos organismos internacionais, o uruguaio Luis Almagro, secretário geral da OEA, afirmou que não há nenhum fundamento para o impeachment, durante um evento em Washington. Por sua vez, o presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o juiz Roberto Caldas, fez severas críticas à divulgação de áudios pelo juiz Sergio Moro, afirmando que “todas as leis do mundo que tratam de escutas telefônicas são restritivas”. Caldas lembrou ainda do caso Escher, no qual o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por escutas ilegais e posterior divulgação de comunicações de integrantes do MST, pela justiça estadual do Paraná.
Panamá Papers

No último domingo, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ na sigla em inglês) divulgou notícias sobre mais de 11 milhões de documentos internos vazados da empresa de advocacia panamenha Mossack Fonseca, que apontam como firmas de advocacia e grandes bancos vendem confidencialidade a políticos, empresários, artistas, jogadores de futebol em um esquema multibilionário de contas em paraísos ficais, que podem ser usadas para a lavagem de dinheiro e evasão fiscal. A fonte do vazamento não é conhecida.
As offshore são empresas de fachada, que não realizam atividades propriamente ditas, mas aproveitam as vantagens fiscais e de confidencialidade oferecidas em paraísos fiscais. A criação de uma offshore em si não é ilegal, mas a atividade passa a ser um crime se a posse de dinheiro no exterior não for declarada às autoridades fiscais nacionais.
Segundo as primeiras notícias sobre os Panama Papers, dezenas de chefes de Estado e governo estão na lista, como o russo Vladimir Putin, o chinês Xi Jinping, o argentino Mauricio Macri e primeiros ministros da Islândia, Paquistão e Arábia Saudita, entre vários outros. O primeiro ministro da Islândia renunciou após o vazamento apontar contas secretas em seu nome e de sua esposa com milhões de dólares em títulos de bancos islandeses durante a crise financeira que quebrou o país.
Segundo notícia do site do ICIJ os documentos vazados da Mossack Fonseca conteriam informações sobre mais de 214 mil empresas offshore, conectadas a pessoas em praticamente todo o mundo.
Até o momento, a lista completa de envolvidos não é pública. Os documentos estão em posse de centenas de jornalistas do Consórcio. A expectativa é que o ICIJ divulgue a lista completa de nomes no início de maio.
No Brasil, o jornalista Fenando Rodrigues, integrante do Consórcio, informou a existência de 107 empresas em paraísos fiscais ligadas a investigados na operação Lava Jato.
Dado o volume de dados, com mais de 11 milhões de documentos, as informações divulgadas até agora são apenas a ponta do iceberg. Contudo, a ausência de políticos e empresários estadunidenses tem provocado questionamentos. Na sua conta do twitter, o Wikileaks, organização de ciberativistas fundada por Julian Assange para dar publicidade a documentos secretos, acusou o governo dos Estados Unidos de financiar o vazamento para atingir Putin e a Rússia. Ainda segundo o Wikileaks, a Organized Crime and Corruption Reporting Project, organização sem fins lucrativos parceira do Consórcio de Jornalistas na investigação dos documentos, seria financiada pela Usaid e pela fundação Open Society, do bilionário George Soros. Kristinn Hrafnsson, porta-voz do Wikileaks, tem pedido que o ICIJ divulgue todos os documentos na internet, para acesso público e irrestrito.
A expectativa é que os documentos vazados lancem luz sobre o funcionamento dos paraísos fiscais, em especial sobre a prática sistemática de sonegação fiscal e evasão de divisas por parte de empresários, celebridades e políticos, com a participação decisiva de grandes bancos. É possível também que os documentos permitam um dimensionamento mais concreto do volume de recursos movimentados em paraísos fiscais, que até hoje são apenas estimados.
Eleições presidenciais no Peru

No próximo domingo, o Peru vai realizar o primeiro turno das eleições presidenciais. Após uma campanha amplamente dominada pela candidata Keiko Fujimori, a surpresa das últimas semanas é o expressivo crescimento da candidatura de Veronika Mendoza, única candidatura de esquerda, apoiada por uma série de movimentos e partidos dentro da coalizão Frente Ampla.
No último mês a intenção de voto em Mendoza saltou de menos de 5% para cerca de 15% na última pesquisa Ipsos, tornando muito concreta a disputa de uma vaga no segundo turno.
Segundo pesquisa da Ipsos Peru, Keiko Fujimori registra cerca de 40% dos votos válidos. Em segundo lugar está Pedro Pablo Kuczynski, economista de tendência neoliberal, ex-funcionário do Banco Mundial e ministro durante o governo de Alejandro Toledo, com 19,9% dos votos. Veronika Mendoza situa-se empatada tecnicamente com Kuczynski, com 18,4% dos votos válidos (crescimento de quatro pontos em comparação com a pesquisa da semana anterior). As duas categorias de indecisos registradas pela Ipsos chegam a 27%.
Mendoza se elegeu deputada pelo Partido Nacionalista Peruano (do atual presidente Ollanta Humala) mas, assim como outros líderes da esquerda peruana, se afastou do governo depois do giro conservador de Humala. No último mês sua campanha se fortaleceu no sul no país, onde já supera as intenções de voto de Fujimori.
No dia 5 de abril, aniversário do autogolpe de Estado de Alberto Fujimori, uma marcha em Lima, organizada por coletivos culturais, de jovens e universitários,  reuniu mais de 40 mil pessoas nas ruas da capital contra a candidatura de Keiko. O ato lembrou ainda as graves violações de direitos humanos cometidas pelo governo de Alberto Fujimori, como a esterilização forçada de mais de 200 mil mulheres, sobretudo indígenas e camponesas. Fujimori segue preso por crimes contra a humanidade. Mais de vinte cidades no Peru e no exterior realizaram marchas no mesmo dia. Segundo Carmen Ilizarbe, cientista política peruana, as mobilizações de rua cobrem um vácuo no debate público em torno das eleições no país, dada a inclinação da mídia pela candidatura de Fujimori.
* As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade de sua autora,
não representando necessariamente a visão da FPA ou de seus dirigentes.

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